Profano o espaço. que será. seja. um caminho. vereda de memórias.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Que vêem




e quem vem, quem parte, vai e volta com a gula dos oráculos, espinha-se em adivinhações mantendo viva a insinuação, diz que entende até dos ventos como os velhos saibéus, gosta de lírios, atende à mingua a velha saudade de barcos, e espreita o alheio, como se houvesse rumor de um pombo no telhado e quisesse ver nele ainda outra asa ferida e todas as penas ardidas no seu próprio rosto.

Tal é o desgosto. Amam o ódio deitam-se embrulhado com as aplicações feitas, não pressentem as feras, estão de outro lado, e não sabem .... Acordam com uma caixinha chinesa no umbigo, procedem às rotinas do amanhecer com o ódio ainda nascente que mal sabe adormecer . Os velhos saibeus também chamavam a este ardor de adivinhação um mal viver consigo e só nos pratos balançados de suas mulheres acreditavam ser e querer, desejar e andar, mas com toda a certeza de outro lado. Não o meu ... Não podem, mas espicaçam veneno e a uma anedota de palavras chamam cumplicidade.

São espectros cinzentos e partem em debandada, sentam-se nos bancos das empresas, escritórios, nas instituições como se fossem reis, calculando no deve e haver guardar o gado... Engolem duas linhas de trabalho e vergam-se de hierarquia em hierarquia, tudo lhes serve, tudo lhes cabe. E, no entanto, a espinha que é o dorso, move-se atónita como o espaço, apreciam o ferro e o aço da melancolia, quando a pequena existência lhes quebra o passo. Olham, desdenham, mas inibem-se quando uma abelha tresmelhada, lhes cai certa no olhar e estão acompanhados, e a pergunta é sempre por que fui eu, se há mais alguém, e está presente ou se afasta para outro lado, ser seu igual ainda se tornaria pior. Vê-se só a espernear por todo o lado.
Vejo-os na vida nova armazenando fel, e dele se abastecem diariamente com a fartura dos contentes de coisa nenhuma, vivem o ordinário commumente, no sentido que damos às coisas mesquinhas que lhes são o seu empreedimento. Enfeitam-se de suposta cumplicidade, mas tudo lhes é moribundo, e nem habitualmente ousam o que certos animais fazem, não se escondem para morrer do dono... Não gostam da surpresa de nada, como se tudo se lhes fosse dirigido, coçam no umbigo como se aí houvesse uma caixinha de música chinesa. Já o disse com a tranquilidade do devir, sem presumir inocência. JRM

sábado, 26 de janeiro de 2008

Canção




ainda te é noite
ainda dormes fugindo
à espera da minha mão
os teus olhos vão abrindo


abro-te as janelas
luzes ainda deitada
acende-te o sol nelas
o que se move não passa

o corpo intenso perdura
o corpo tu certo une
o corpo aberto dura
o corpo tempo augura JRM

Excerto da 7ª carta


» Ontem! A queixa dos teus ouvidos... tinhas vindo ao palratório porque só ouvias o uivo dos cães em uníssono ao longe, passos certos de alguém que desafiava na ruela , e o relincho dos cavalos , presos à rédea do pulso das mãos do meu tenente. Morria de sono, não dizia , mas eu conhecia este estratagema quando abandonava a cumeada. Impuseste a tua vontade, embora já não fosse essa a tua condição ; querias ouvir o labor mesquinho daquele sábado, apesar de tudo era quente , aquele Outono, sentias pela frincha do gradeada, a grilheta do sol a medir-se na tua testa, quase não falavas. Vinham trazer-te saudações , confessar-te saudades, e entregar-te oferendas escondidas, coelhos mortos a sacão no pescoço, galinha depenada e quente , eram cristãos velhos que sabiam da tua condição e vinham de longe para te sentir a mão gradeada, ouvir-te a respiração. Depressa te souberam morta de dor de ouvidos , correu a nova pelas aldeias, precisavam de mãe de leite que te pingasse gotas que se contassem em número certo para ouvido interno , não era importante a condição, afirmara D. Brites.
Veio uma mulher morena correndo léguas, querendo acudir-te. Deixou para trás muitas Casas, e pingou-te na presença das demais noviças, murmurando sem rosário um caudal de palavras obscuras . Falou da nóz da tua orelha num descuido, achou-a perfeita de linhas e contornos e abalou pelas traseiras, quase fugida. Dizes-me isso porque queres o meu compadecimento , e suprir assim, deste modo a saudade , a minha falta .
Contam-te a cidade liberta, mas ainda mal te corre no mapa do teu sangue.»

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Dádivas




dou-te o sol de Lisboa
dou-te a língua pura

dou-te a rua
a luz, o endereço

dou-te a frase solta:
e chamo à palavra escuro
muro ,
onde
estremeço

dou-te a linha solta
com a palavra sol

são nossas
estrelas vermelhas
nascidas de sangue branco
onde
festejado o fogo
se comeram os dentes

como as feras
dão aos ventos
uivos e som novo
no céu profano

como humanos
descendentes
JRM




quinta-feira, 24 de janeiro de 2008



um momento branco raiado de tempestades. calmas. atenuantes. gestos e dedos que só eu detenho na sombra animada das tardes de inverno. brandas.


para que tudo na tua face faça sentido.


para.

erguer de novo a pele.

para.

ser a moldura.

ser.

para.

_____________

dou-me à minha língua para não morrer. este era o último verso. verso de um poema do avesso . que insisto em escrever . no reverso em que me atravesso.
JRM

domingo, 20 de janeiro de 2008

CANÇÃO (1)



tu és finita
tens cabelos de ouro
mãos no coração
és finita


tu és finita
como um dia de calor
és finita como a dor


finita finita
como um fruto branco
nos auspícios da sua cor

és finita como uma pérola de oceano
procurada funda
habitas o meu mundo
e honras o meu calor

in Celebração dos dias
JRM


sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Paradigma infinito




A que distância


deixaste


o guindaste ?


in, Tolentino de Mendonça


Oração de jejuar de Maria Ana



bendita a noite de há dois dias bendita a espera da minha língua o dorso o ápice e a mole bendito apertão no jorro repulso amparado lambido na gula da minha mão
bendito o meu soluço a minha língua na passagem das tuas veias e na corola benditos e repentinos os meus dentes incisivos a garra da minha inocência quando te chamava menino por pura gentileza não me arrependo bendito o que te fiz por mim e por ti bendito aqui me rendo aqui aos pés do senhor rezo confesso deus também deseja e a tudo isto não é avesso bendito teu véu palatino úvula suprema recuada ressonância magnética ouvida funda amada bendito doce que muitas fazem e trazem de louvores de D. Brites alvoraçada



rezo-te aos pés murmurando orações tremem-me os joelhos descuido estudos e sermões



digo-te além



morro à tua espera

LÍRICA (2)

Zela por Maria Cristina

defende, analisa a menina

à míngua da flauta dos pastores!

Cobre com lençóis e cobertores,

estima e aquece a flausina ,

primeiro corre cortinados,

depois cobre os cobertores

defende Maria Cristina!


Campo Grande

Laranjeiras

Olha Adília

Os carneiros !

São porreiros são de obras,

andam à gula à semana

ao contado ou à mama

ao domingo são senhores!


laboram no desespero

o cascalho , o drama

as cruzes nos braços

à gula da tua mama.

das tuas irmãs batatas

comem a carne os sacanas

da pinta da Maria Cristina

da corrida das tuas baratas

do cheiro da tua carne

do jus ao teu arroz !

terça-feira, 15 de janeiro de 2008


foste. e contigo levaste o rumo do azul cobalto.em barcos vazios. em marés esfoladas nos joelhos do vento. foste para o lugar de onde ninguém volta. nem a revolta.
aguardo agora as tuas cartas. que guardo como rosas. no meu corpo. à guarda do mar.
____________________
(imf)

sábado, 12 de janeiro de 2008

LÍRICA

Sete Rios

Entrecampos

Olha Adília

O Campo das Cebolas!



As palmeiras carecas

Os cravos-da-índia

Os lírios roxos esparsos

Serão flores da tua estima

no roupão do Senhor dos Passos

no reboliço das rimas



Os anjinhos de cuecas

no teu bazar de bonecas

nuas ou vestidinhas

são lírios e profecias

borboletas e azias


Sete Rios

Entrecampos

Olha Adília

O Mar da Palha!



O cheiro de tua rima

é precioso e é novo

gosto dessa comida

e do poema do ovo.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Matança

as patas atadas a nó firme o cordel em cruz

o sol a pino árvore pingando sangue na cal da parede

à sombra mansa do pinheiro a lã vermelha luz

o homem cospe depois bebe vinho mata a sede

verga-se à faca afia-a em pedra lisa cinzenta

olhando uma estrela branca na cabeça do carneiro

o sangue de rompante é a degola do primeiro

a faca a prumo na garganta a pele soprada

a faca esquartejando o sangue no terreiro

a carne viva o suspender na trave cruzada

cobrindo de vermelho um véu de espuma

ainda o carneiro os olhos como bolas

retirados a desvio de faca rente com o riso complacente

de quem tudo esventrou por dentro

os olhos agradados das crianças

escondidas ou afastadas da matança

pedindo por esmolas ou jurando sempre jejuar

espreitando e recolhendo as raparigas as tranças

os rapazes olhando cobrindo os olhos do calor

cumpri um dever no meu cadáver - disse o homem

obscuro impenetrável atirando os braços ao ar

como se estar vivo fosse nascer para matar

e ver os outros desfrutar no palreio no conversar

e rindo vendo as crianças já ao longe a dançar

ou fazendo cada uma delas a sua cova de balde e pá

e os cães deitados no chão atendessem ao chamamento

e se afastassem correndo ao portal

para que o ar bulisse de momento

OUTRA CARTA (?)

Digo-te hoje o que os séculos calaram fundo, o tradicional mito da mulher abandonada, apaixonada pelo aliado, o nobre que te combatia o corpo, o forçado chamado ao silêncio de uma hierarquia poderosa e nula, embrulhada em galões de outros palcos, outras guerras. Como tudo se te ofereceu fácil, da iluminura ao traço rápido do teu rosto, sabes que te deram rosto árabe, moreno, envolta em véu negro, gratidão de andorinha de barcos perdidos de conquistas, homens de braços como forcas, vencedores, procuraram-te em iluminuras desejaram-te percursos, desenharam-te a genealogia. Os mais brilhantes, poetas e pintores, o que fizeram de ti? Não posso calar esse escândalo, não me interessa essa história que se desenrolou a contar-te recebida por mim a salto de uma janela, quiseram-te acreditada pela Europa, nessa interdição mesquinha para valia de amigo de guerra e silêncio de inimigo. Eu teria um fogo lá fora, quereria fortuna, fama, tinha-te salvo da fogueira, tinha-te acolhido nos meus braços, como se os teus não existissem.

Como poderia ser assim, se os teus pedidos, as tuas orações de salvação, as devoções do corpo ileso tinham sangue novo à superfície, um fogo velado pelo hábito que a função teimava apagar, percebia-a o bem no rogo das tuas mãos privadas de tacto com as sarditas insinuadas na pele fresca que teimava em não morrer.

Não esqueço, vieram cortar-te o cabelo ruivo que persistia em insinuar-se nas longas preces disseste-me, quase desenganada de outra solução. D.Brites impôs o corte a todas no convento, para só a ti te contemplar e só duas cartas minhas lhe mordiam os seios quentes com as marcas da tinta que lhe via nos dedos, quando me vinha buscar, soberba e altiva com o espartilho desfeito, alta ia a madrugada, o calor da noite não justificava aquelas manchas que ela deixava nas minhas mãos no cumprimento ofuscado da candeia.

As noites eram tugidas de silêncio, de medo e de oração afirmava no desejo mordente de me tocar, sabendo que te pertencia, era esse um sinal que desejava que te entregasse. Encontrei-te descontente com o corte do cabelo que fora enterrado por uma rapariguita rápida que viera de Fontinha, com o soldado português de resguardo a desejá-la caída nas estevas do caminho e sobre ela se festejar como animal atento à oportunidade. Vi-o mais tarde e soube-o em conversa indesejada com o meu tenente que insistia em sobreferrar o seu cavalo. A rapariga não sabia como se lhe contavam os anos e refugiara-se num silêncio trémulo desassossegado de pernas e mãos, quando me aproximei e lhe perguntei os anos para ver se coincidiam com a minha entrada para o inferno que tem sido a minha vida por te encontrar. Lembraste-me que a moça vira o cabelo e gritara, nunca tinha visto aquela cor de barro - disse a custo, embora soubesse que a fala lhe era interdita. Tivera tanto medo que os pentes mal lhe corriam de festas e a tesoura desfazia-se deles, como das crinas de um cavalo. Levou a tarefa a cabo sob ordens confessas, e só tu choraste, não tanto por vê-los enterrados à parte das demais noviças, mas por não poderes desfrutar das minhas mãos que deixava sempre neles um selo de eternidade, sentido nas horas de orações e nas outras horas mais prosaicas da vida.

D. Brites entendera e viera ao teu encontro serena e vingativa para te levar à cozinha, onde a mocita, que mal sabia dizer o seu nome, se refastelava com um bocado de pão serraceno que era costume oferecer-se como esmola a bandidos e pedintes que o rogavam a troco de orações pensadas enquanto engolido, repetidas enquanto aconchegado com água que não era farta no convento. Toda a madrugada te lamentaste num sussurro convulsivo com as minhas mãos apertadas na tua cabeça crispadas na tua nuca, pedindo-me salvação à carne, à febre. Um enterro de prazer, diriam os românticos. Ouvia D.Brites escutando à porta dos teus aposentos no convento, como sempre. Quis dizer-te ao ouvido o som daqueles passos, perguntar-te pelas minhas missivas, mas tu entregue à surpresa desgarrada do meu aparecimento mordias a minha boca, desfazias as minhas palavras, quando os lábios se entreabriam eram sempre para me lembrar o meu desaparecimento, a tua cegueira, o meu desprezo, a minha soberba ... tudo isso te alimentava as horas e de tudo isso te alimentavas. Nunca te pude contar que tantas cartas te enviei e nunca consenti ao meu tenente que o fizesse nem ele se atreveria, embora na obrigação da ronda sob o uivo dos cães, te levasse a fúria da minha febre que no acampamento sobressaltava os homens que davam a guerra por ganha, viam-se mortos nos que tinham matado e vigiavam–me de acordo com funções e cumprindo ordenações ditadas muito antes; alguns deles vingavam-se no abandono e esperavam morrer no dia seguinte ou fugiam. A minha paixão por ti não era um comum raio de tempestade a que nós nos fomos habituando, era uma chuva torrencial que lavava o meu corpo do fogo inglório de te querer e não te ter por perto. Maria Ana, gritava em pleno acampamento, o eco contra os montes já os camponeses aravam terras protegidas e os mais cautos dos soldados convenciam outros a fazê-lo. Deixo-te com esta lembrança, mas voltarei não para fazer do tempo um suspiro, mas cavá-lo com as minhas palavras e a redundância delas e relembrar-te episódios que o tempo cobriu de anjos, não nos azulejos, mas na inscrição das rosas que fazes tuas, e perante elas eu só amachuco duas, e essas duas são sempre minhas. Chamilly

Uma carta a Maria Ana


Nunca consideraste durante muito tempo que o meu amor por ti fosse verdadeiro, exasperavas só porque o meu tenente ia buscar as tuas cartas, como se não levasse as minhas, essas a que pouco aludes que passavam primeiro pelas mãos de D. Brites, depois pelos seus seios de onde as retirava para as ler às escondidas, presa ao meu desejo acarinhava-te os dias, seguramente passando noites em claro junto à porta dos teus aposentos ouvindo de corpo aberto e vontade indomável de te pertencer. Quase todas as noites te sobressaltavas, levantavas-te imediatamente, como se o meu regimento me viesse procurar, sentia-te o corpo oprimido, as costas tensas embora levantadas, o cabelo louro caído, as coxas trémulas no lençol, os olhos brilhavam sob a luz fosca da candeia, punha-me ao teu lado, os pés firmes na suarda , mas o vento soprado já era só um fôlego sumido no palratório há muito que ninguém assistia ninguém.... Só aquele som muito chão , um canto antiquíssimo arrojado vibrando a corda de muitas vozes em uníssono. No quarto quente, as tuas palavras ainda as lembro.
«Tenho relâmpagos no peito quando vens, tenho relâmpagos no peito quando não vens ou quando prometes vinda nas tuas breves missivas ou sinais, torço a carne em orações , vibro na mais estrita devoção de me cumprir nas tuas mãos de te dar a minha carne à boca de me ver arder na fé pública sabedora do desejo infame, escondido e acossado, contrariando alianças, jogando a glória de territórios no préstimo dos vossos serviços, protegendo, restaurando, salvando-me da minha fogueira , a mais áspera à minha condição».

Sendo madre fiquei soror, sendo Maria Ana , deixar-me-ão nos séculos como Mariana. Também te acorria a glória, também te sentias perseguida pela história, uma e outra cruzando-se numa disputa triste e déspota de um rei-Estado que nem assim se queria.
Ouvíamos os cães lá fora, o vento trazia o uivo até ao nosso recolhimento, tu punhas as mãos na minha boca, eu quase ouvia o sono solto das noviças, pressentia-as à tua porta com candeias à altura do nariz, como quando havia muito vento por entre casas ou briga guerrilhenta nas linhas de fronteiras, e todos ditavam orações nos casebres ao louvor à lua e ao Rei . As noviças, umas atrás das outras, rendiam guarda de ouvido a ouvido à porta de teus aposentos à beira do nosso abismo, sei que algumas delas me queriam com brandura de afago, D. Brites insinuava quase abertamente quando as guardava nos seios, contava-me o meu tenente, eu escondia ou esquecia, mas rendi-me sempre à implosão dos teus olhos, a essa espada mais forte do que todas as armas que me licenciaram para este destacamento involuntário; eu tinha o apreço e aplauso de outras damas o tom solene da conversação, a fala breve que consentia a escuta. No entanto, o fogo morno do interesse, a atracção complacente, quase desinteressada era teatro vão . O interesse era sempre pela mesma pele de guerra surrada a fogo de juramento anunciado. Duvidavas, voavas, desinteressavaste-te, insistias que não sabias nunca notícias minhas , sujeitavas-me à impiedade, abjuravas, apontavas-me desmerecimentos, acusavas-me de falsidade, de penhora de honra, regateavas com o meu tenente idas e vindas rápidas ... Nunca soubeste que D. Brites, impostora, disfarçava, recebia as minhas cartas guardava-as no peito entrouxado de tantas outras, disse-me mais tarde o meu tenente que se punha em arte de fuga acostumada sob suas ordens aflitas, curiosas, e de bençãos latido dos cães.


Eu sabia, ouvia-se ao longe crescia-me nos ouvido, como se houvesse emboscada ou disso dessem sinal, o ataque do inimigo estivesse perto numa faúlha incendiando as searas, matando o gado, roubando rações, comendo pão ázimo sempre a desfrutar das mulheres sob o olhar apiedado das crianças e o diabolismo dos homens que acabavam por matá-las. Se agora te conto isto, foi por que nem somente me crias quando te dizia que passava horas desesperadas por te dar a conhecer este amor desafortunado que implodiu quando subia ao Monte de Mértola para avistar linhas de defesa e de ataque e os teus olhos me seguiam para sempre com a precisão de um raio sob um corpo já adormecido pela lonjura e demora de uma guerra que não escolhi, mas que me trouxe a batalha mais cruel, por não me dares ouvidos quando em desatino de confidência procurava saber de uma carta muito antes de outra tua. Sempre te guardei em segredo quanto mais encontrava o teu halo mais o corpo pedia que resistisse até que eu pudesse partir no sopro do meu cavalo. O meu tenente pernoitava por perto, o meu cavalo relinchava na minha ausência, embora soubesse ao que estava ia e vinha, era preciso acarinhá-lo com festas no barbado quando de madrugada já passava o gado ao longe, pressentia-se o medo dos pastores e as campainhas das ovelhas já não pingavam sinos. Sempre te escrevi, nunca pude deixar de o fazer, embora Sua Majestade, o Rei, a mim, me impusesse as mais restritas obrigações, me louvasse no mais estrito segredo junto dos generais, padecendo a injúria de minha família, o desprezo de familiares afastados, rondando o rendimento também da minha glória. Embora subestimasse, eu mergulhava na glória de tudo alcançar injuriava-me às vezes silenciosamente , vendo os que estavam perto, os que a troco de parco préstimo se queriam elevados a condecorações e já se viam a retornar a novos ou outros campos, onde a glória os viessem festejar com acometimentos vis as velhas populações vivendo com o nariz e os olhos nas terras que mal davam para saldar obrigações. Eu estava certo e mal podia falar-te das minhas inquietações, era o meu tenente que te levava as cartas, embora houvesse algum entendimento mútuo era mal olhado, desconsiderado, havia sempre sempre outros que me deviam obrigações. Não podia alardear muito por considerar impróprio e por saber que as cartas te chegavam lidas ou não, dadas as tuas queixas sem fim, entre o certo e presumido desgosto em que te consumias. Sim, os teus olhos verdes mergulharam fundo e guerrearam com os meus sentidos mal te vi de rápida passagem à janela entregue a contas e demais despachos que obrigavam o convento a formigações silenciosas de raras saídas e muito menos entradas, avistando os montes de Mértola, eu te coroei ao longe quis –te minha , liberta do hábito e das funções que abjuravas e que desde então te entregavam para ser verificado até que ponto cumpririas com pena, obrigação e desejo o que de divino te viesse de carne, osso e pele enterrar-se no teu corpo. Ainda te contarei mais , outras cartas não recebeste, outras coisas são te de ti ditas e nunca por mim escritas . Chamilly
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não. não me digas. não me escrevas. não me des.silencies. rasgado o véu sou outra debaixo da pele. ardida e ardente na cadência do milagre que não é de espigas. antes de divinas rosas de sangue que o sangue arrasta no meu ventre. não me abras o vale. deixa-me ser o fogo. mas aquele que arde ao lado das ancas. lá fora o vento é um punho. cerrado. o mesmo que mordo na penumbra do gesto que me ensinaste. não. mas não me esqueças. faz de mim o teu relâmpago.
___________________._________________________ANA.

Profano o espaço.



que será.



seja.
um caminho. vereda de memórias.