aquecias as tuas mãos na minha samarra
havia por ali um animal indecente
havia por ali um animal inocente
eu sentia o teu cheiro a léguas
andavas muito nas esperas
não te avistava no jardim ao fundo
o mundo era surdo para mim
passava gente eu via e era cego
as pessoas diziam coisas que eu não entendia
como a mulher da sapataria que exclamava :
_nem o meu foi um amor assim
ia para dentro desinteressada da cliente
eu sabia a mulher passava revista aos sapatos em frente ao espelho
rolando a perna alta e levando os mais baratos
quando passávamos já a cliente se afastava
e ela connosco queria falar do que tinha esquecido
abanando a cabeça dizia: eu nunca vi cliente assim
fez oito mudas de sapatos comeu –me o tempo
o tempo passava nunca parando ela sempre falando
atrás de mim como uma só noite afinal
beijando-me a ira no pescoço com o gume de um punhal
JRM