Profano o espaço. que será. seja. um caminho. vereda de memórias.
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008
Dou-te o meu nome
como se antes sentido
nele não houvesse
e não havendo tu soubesses
o meu nome
esse som da tua boca
duas sílabas só tu aqueces
essa busca inquieta
esse jogo do chamar
como quem procura mundo
treme supondo --- eu lá não estar
também chamo por ti
só a querer-te me calo
teu nome são duas sílabas abertas
raiando o azul dos prados
oferecendo luz ao mundo
só o teu nome por mim chamado
essas sílabas crescentes
duradouras na minha fala
só na tua boca estão presentes JRM
uma sombra
os ramos como mãos abertas dedos intermináveis: a paisagem
todo o monte desacertado em ondas de calor
só
os olhos desferem a golpe rude a mansidão das espadas
colhidas pelos séculos de terra ardendo no sangue
o rigor dos dias de mansidão e do abandono JRM
chegadas
o intenso frio
ardiam as mãos no fogo
chegava no Verão
o intenso calor
ardiam sombras
era verde a escuridão
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008
A vida conjunta
As carrinhas beges de porta corrida estão sempre abertas, dentro cravos, rosas brancas, vermelhas, malmequeres, flor do linho, verduras de emplastro, lentisco, magnólias , fita de laços e, sobretudo, os cravos vermelhos luzem na sombra dos tectos gradeados, molhadas hastes na água, o pé no plástico preto, desprende a haste.
É Primavera ,e se não fosse pouco mudaria, talvez um panamá, um plástico de atilho com estrelas brancas, um chapéu de chuva azulão bem aberto que cobrisse cliente e vendedor, abrigasse negócio, a palavra regateada, o dinheiro trocado, a flor mal escolhida, o desagrado da cliente, logo uma mudança rápida por outra que condissesse mais com a dor ou com a libertação do peso ou acidente duradouro.
Uma anedota depois por detrás das costas, um gracejo, um esgar... O negócio tinha sido lacrado.
Quase ninguém vem, elas sabem que o negócio não vai fartar, dão-se às linhas, às rendas infinitas que se avolumam nos sacos de supermercado e dia-a-dia pesam , dão-nas a jovens mais desfiguradas pela droga ou a lares, são o testemunho das esperas contadas pelas mortes vindas, pelo sentimento de perda mal chorado num espaço, onde só o coveiro assobia como um pássaro que pousou no cipreste e teima em ficar aquela noite sem que haja provavelmente outro pouso, outra luz, ou uma semi - escuridão lunar...
As prendas ficam sempre na carrinha persistem em não as levar portas adentro de casa .
Ouvem muita música, sonham muito, orientam-se pelos telemóveis, é só picar números, descer sons musicais ou ruídos, marcam encontros e comparecem, vão pela gula dos sentidos, orientam a casa, como senhoras lembram a comida nos taparués no congelador às mulheres a dias, têm filhas mestres, doutoras, e filhos engenheiros, empregados de balcão do turismo , chefes de informática, e emprego municipal .
Estão ali, não suportariam estar em casa como as mães, nunca votam dá -lhes calafrios e a bota está sempre pronta com a perdigota.
O coveiro abre a cova a golpe de enxada e mais golpe, encontra osso e grita às mulheres que bom é não estar morto.... elas acodem com riso, levantam-se das cadeiras de lona ou dos assentos das carrinhas e unem-se, deixam de lado por momentos os acordos dos negócios ou a peste de uma outra de lado, esquecem-se das traições das escolhas dos clientes ditadas flor a flor e vêm rir às portas do cemitério. Pedem lume, umas às outras, exibindo algumas delas os cigarros caros nos sobrebolsos dos aventais... E o coveiro grita de novo e só afugenta o réptil que passeia na laje ou as abelhas que surgidas do nada desabrocham das flores viçosas e zoam abertas pelos ares.
O ar é fresco , o céu é limpo, há luzes eléctricas a florescer no brilho das pedras das sepulturas e os melros param a ensaiar um canto, uma busca de uma rota de asas , um caminho de saltito em saltito, por dentro dos talhões, das áleas , dos santos das moradas , dos jazigos .
Os jazigos estão fechados. Uma mulher cigana está sentada cá fora e tem enormes fotografias de uma filha bonita, morta numa ronda de droga, diz a quem passa, comprei tudo isto a uma família que cá já não tem nada de seu, só uma placa que dá para o talho, um médico. Não abandona a ladainha, chora a sua própria morte.
O coveiro grita de novo, são abandonadas as rendas do ensimesmamento nos assentos e as flores no escuro procuram brilho para morrer, agora só algumas delas com a música bem alta do amor sórdido e sucateiro... .
Há sempre uma comparsa num dia que combina o preço e não o desfaz , partilha o mesmo sonho do amante que lhe deu pancada e fez juras que elas nem escutaram, mas vivem da distância de uma conversa, de um carinho todo feito de cama, combinado, assim mesmo ao telemóvel que trazem nos seios altos rasgados no triângulo dos vestidos .
Estas combinam a partir daí a vida doméstica, a sopa, os horários dos ateliês dos filhos e das velhas que os vão buscar para almejar um beijo, a possibilidade de fazer uma festa no cabelo, recomendar o rogar a deus ... elas também como as outras indicam os taparués no frigorífico, dão ordens à mulher a dias , são verdadeiras tiranas, como se fossem rainhas libertas do vinco das calças do marido, das camisas. Os filhos andam de qualquer jeito, foram cuidados quanto baste, falta-lhes a elas em geral a última disputa, a escolha da namorada certa, porque até aí já que os pais não se ajeitam,dão-lhes elas os primeiros preservativos e o conselho de que a morte é certa ,como um e um somarem dois ou três , e não há dinheiro para abortos decentes.
As flores dos mortos andam dentro deste movimento, assentam valor neste contrato, na venda de cada flor que dá o magro pão, o perfume ao amante a que foi dado a cheirar no papelinho da grande superfície, a camisa nova dada ao marido, uma surpresa desvalorizada, num instante.
Aos sábados vestem–se como rainhas de novelas, e delas são encantadas por músicas do principio ao fim , roem as unhas do verniz de domingo, regulam o colesterol dos maridos, contam os cigarros, sentam-se nos sofás gostam do futebol deles e compreendem também as jogadas.
Nada se desperdiça, condoem-se com a dor alheia, proclamam que é sempre melhor assim, agora uma viagem, uns dias folgados, uma praia, um passeio na mata, umas missas, e umas mãos mais abertas no descanso das manhãs e nas noites passadas sempre de alerta : vai ver que vai rejuvenescer.
Quando aparece alguma com o luxo do preto e do ouro, já cheia de flores, assobiam como o coveiro , riem-se dela como se um amante não andasse perto e não o escondesse por onde elas se festejam à noite, dando luz ao corpo nos bailes em grandes nos salões .
O ruído clássico do telemóvel, conversas criptadas que só algumas conhecem. Não é cumplicidade é devassa
A velha que vem limpar algumas campas traz unhas pintadas, mas não como as delas, invejam-na, comparam–se mãos pedem que lhe as mostre antes de deixar os baldes pretos, os esfregões , as lixívias e os sabões das campas num canto, até ao dia seguinte. Dão-lhe às vezes boleia , outras deixam-na partir no último autocarro diário, e a velha parte com conversa picante com o condutor que ouve jazz e usa rabo de cavalo, um empenho da namorada que o penteia em público nas esplanadas.
Na vila tudo se sabe, e a rapariga sabe bem disso, aprendeu. Está ali junto do condutor ainda cheira a detergentes, tira um anedotário velho das algibeiras serve-o às colheradas ao rapaz, ri-se sem qualquer jeito, a ele provavelmente aquilo nada lhe diz, ela insiste, o autocarro segue pela estrada, despede-se dizendo à saída: diga às putas como são os coirões.
O autocarro continua, o rapaz nem ouviu tudo, e a velha parte com a convicção de que conhece este mundo e a lua ... .
JRM
À minha filha
a fonte não mata corre água
morre a prata
chove água no nariz
a boca atravessada no riso
só molhada a face
engole:
- vês o esforço
- fiz
agora vamos correr
há erva e mato
há pinhas secas
há grito aflito
eu apanho-te
(tantas letras trazes
no chapéu
só vejo pássaros
a fugir dele )
eu ganhei
eu perdi
eu toquei
(vi no mato
violoncelos a
tocar os teus
cabelos !)
fui feliz
por vê-los
sou assim
ri sôfrego
à exaustão da luz
mais corrida sim
vamos
(onde
estou perdido filha)
sábado, 9 de fevereiro de 2008
Fragmentos
a luz, o cinzento
uma pedra
leva
o medo, o verde
uma estrela cadente
acende
o susto, levita
arranha eleva
gravita
é teu
é meu
é um sinal
finito da luz
é cedo
de ti e de mim
é a tarde
ouve:
o amor, a corvermelha dada
à flor do trevo
na enseada
onde lavaste
as mãos
tiraste anéis
desataste
a pulseira nua
dos cordéis
andaste
o céu, ganhei
a lua
a mais boca
a tua
JRM
Sopros e andamentos
escreve as coisas imprecisas
um risco no mármore
a pomba podre
na janela
o que não arde
vê no risco da parede
o trajecto da viagem
o tráfego
o nobre edifício
o átomo circular
escreve o impreciso
à passagem lapidar:
um jornal tido
abandonado na laje
o vício popular
o lixo
mulher de olhos vendados
está com as mãos ocupadas
no cordel
ata despacha assina
com olhos rasurados
luz no pulso ouropel
as mãos de menina
já velhas encolhem-se puxadas
vão e vêm
resume inclina-se
detém-se continua
pensa agrafa
estica rende
convém
estima declina
o tempo são estátuas
o mundo é muito longe
a casa presume
o verbo habitar o fumo
adeja volátil abelha
recolhe fósforo
não incendeia
descansa
tudo profissional
deseja
passa ouvido ao telefone
a ida sozinha
aos buracos no exílio
uma aldeia próxima
crê em tudo
sempre alheia
vinda confessa-se do mundo às amigas
é hora é almoço
distrai-se e
é distraída